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gnl - A sobrevida da Web

gnl AT framalistes.org

Assunto: GNU // Linux // Software Livre // Privacidade // Segurança // Linha de comandos

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A sobrevida da Web


Cronológico Linha  
  • From: hrcerq <hrcerq AT disroot.org>
  • To: Lista GNL <gnl AT framalistes.org>
  • Subject: A sobrevida da Web
  • Date: Sun, 14 Jan 2024 15:39:18 -0300
  • Authentication-results: rod3.framasoft.org; dkim=pass header.d=disroot.org header.s=mail header.b=SV+9Lrm4; dmarc=pass (policy=reject) header.from=disroot.org; spf=pass (rod3.framasoft.org: domain of hrcerq AT disroot.org designates 178.21.23.139 as permitted sender) smtp.mailfrom=hrcerq AT disroot.org

Olá, amigos.

Estive nesses dias (re)lendo alguns artigos sobre a Web. Sobre o
processo pelo qual ela passou desde a sua criação até hoje, sua
popularização nos anos 90, explosão nos anos 2000 e depois, nas décadas
seguintes a sua decadência para o que é hoje. Será que isso tem jeito?
É o que pretendo elaborar a seguir.

Começando por um artigo chamado "The Web We Have to Save" [1] que ficou
bastante famoso na época (em 2015), escrita por um iraniano chamado
Hossein Derakshanhshan, que ficou preso 6 anos por algo que havia
escrito em seu blog, e ao sair voltou a escrever, porém em uma Web
completamente diferente.

[1] https://hoder.com/en/posts/4

No artigo, o autor fala sobre como a dinâmica da Web mudou enquanto ele
ficou preso (de 2009 a 2015). Antes, blogs tinham um grande peso, eram
visitados por leitores ávidos por conteúdo novo, assinados via feeds
por um grande público, e o que impulsionava novos blogs eram os
hiperlinks, que criavam uma rede de conteúdo bastante diversificado. De
um blog você ficava sabendo de outros, e então outros, e assim
construía ativamente as suas fontes de informação.

Na nova dinâmica, as pessoas não constroem ativamente as próprias
fontes. No lugar, elas confiam que as redes sociais fornecerão isso
automaticamente para elas, como se fosse uma televisão. Você se senta
em frente a ela e passivamente consome o conteúdo oferecido. Em
contraponto, a Web antes era mais semelhante a um livro. Ler pode ser
confortável, mas requer algum nível de atenção, foco e exercício
mental. Assistir TV não requer nada disso.

Pior do que isso, a ideia de fluxo infinito (materializado pela técnica
de rolagem infinita usada em várias dessas redes sociais e aplicativos)
é uma das características que causa o vício, e que ainda hoje é
bastante utilizada. Outra consequência negativa, além do vício, é o
empobrecimento do conteúdo que chega para as pessoas. Os algoritmos
complexos e obscuros utilizados pelas grandes plataformas privilegiam
aquilo que é novo e promove engajamento, não necessariamente o que tem
qualidade.

O alerta de Houssein foi muito importante e bem-vindo, porém não surtiu
o efeito desejado, e o que vimos em seguida foi apenas a intensificação
dos problemas apontados. Tanto foi assim, que em 2019 vimos um novo
alerta, uma carta escrita [2] por ninguém menos que Tim Berners-Lee.

[2] https://webfoundation.org/2019/03/web-birthday-30/

Não tenho uma opinião muito elogiosa sobre como Tim conduziu a W3C na
preservação da qualidade da Web, no entanto concordo com os problemas
que ele aponta na carta, ainda que os tenha abordado de maneira um
pouco rasa. Ele destaca 3 macro-categorias de problemas: ações
deliberadamente maliciosas, falhas na arquitetura (da Web) que criam
incentivos perversos, e consequências negativas não intencionais dessa
mesma arquitetura.

Por mim, essa divisão não precisaria ser feita. Acredito que tudo se
resume a uma coisa: a arquitetura da Web é furada, e novas brechas
continuam a ser abertas (ou pelo menos ensaiadas). A todo momento,
"empresas de tecnologia e/ou de entretenimento" (nem sei se podem ser
chamadas assim) inventam novas maneiras de tornar nossa experiência com
a Web ainda mais miserável.

Muitas vezes o que impede que isso se concretize é um conflito de
interesse com outras "empresas" com intenções semelhantes, porém
métodos diferentes. No entanto, quando os interesses e métodos
convergem, vemos uma grande pressão para que aberrações encontrem seu
caminho até a especificação da Web. Foi o que aconteceu com a
especificação do Encrypted Media Extensions [3].

[3] https://en.wikipedia.org/wiki/Encrypted_Media_Extensions

Mais recentemente (2023) observamos indignados (porém já não mais
surpresos) a tentativa da Google de emplacar o que chamou de Web
Environment Integrity [4], o que é apenas um termo bonitinho para
"Impedir navegadores Web alternativos".

[4] https://en.wikipedia.org/wiki/Web_Environment_Integrity

Dessa vez, não apenas a onda de críticas [5] foi maior, mas também
vários desenvolvedores de navegadores Web se opuseram a implementar. A
posição da W3C, no entanto, foi de uma patética neutralidade [6]. Ora,
justo a organização que deveria zelar pela Web fazer vista grossa a uma
afronta dessa proporção, seria risível, se não fosse tão triste.

[5] https://hacktivis.me/articles/google-web-environment-integrity-illegal
[6]
https://www.w3.org/blog/2023/web-environment-integrity-has-no-standing-at-w3c/

Outro bom artigo, ainda mais recente (2023), e muito em alinhamento com
o primeiro que comentei (The Web We Have to Save) foi escrito por uma
artista chamada Kelsey McKinney, na página defector.com, intitulado
"The Internet Isn't Meant to Be So Small" [7]. Como observamos nesse
texto, a Web hoje não vê mudanças para melhor, e parece ter entrado num
ciclo infinito de plataformas sendo criadas, e com elas, a tentativa de
aprisionamento tecnológico.

[7] https://defector.com/the-internet-isnt-meant-to-be-so-small

Além de apontar importantes pesquisas sobre as práticas nocivas e
viciantes dessas plataformas, ela também relembra um fato interessante:
o de que inicialmente a Google adotava a estratégia de
rapidamente direcionar seus usuários (no motor de busca) para outros
endereços, porém mais recentemente resolveu adotar as práticas de
aprisionamento, ao perceber que isso é mais lucrativo.

Dito isso, percebemos que a Web já não é mais viva e vibrante como foi
em outros períodos, e hoje ela tem apenas uma sobrevida, ajudando a
sustentar formas de interação que a desprezam e tentam ocultá-la, no
sentido de tirar dos usuários o controle sobre suas interações. Nesse
contexto, é bastante difícil ser otimista com a Web, pois o que
permitiu tudo isso em primeiro lugar foi, como comentei, a existência
de falhas estruturais na sua arquitetura (e na sua governança).

Eu ainda tenho muito mais a dizer sobre esse assunto, mas acho que até
aqui já falei muito, então deixarei o resto para uma continuação em
outro momento. Se você chegou até aqui, obrigado pela leitura.


--
Att,
@hrcerq

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