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Não tenho antipatia pela inteligência artificial (a não ser pelo
termo, que induz a um entendimento errado da coisa). Como ocorre em
tudo na tecnologia, pode ser instrumentalizada para fins legítimos ou
para fins nefastos.

Se bem utilizada, pode ajudar em diagnóstico precoce, alertar para
possíveis falhas em equipamentos de infraestrutura crítica, emitir
alertas em sistemas de detecção de fraude, monitorar riscos climáticos
ou de desastres provocados "pela natureza", dentre outros cenários.

Porém lamento profundamente a falta de senso crítico de algumas
pessoas, que pensam que inteligência artificial é solução para tudo, ou
quase uma divindade, em alguns casos. Lamento a falta de interesse pelo
real funcionamento da coisa em pessoas que se atrevem a dizer o que não
sabem sobre o tema.

Quem nunca ouviu aquele discurso de que a inteligência artificial vai
fazer com que as máquinas tomem controle de tudo e se revoltem contra a
humanidade? Vindo de pessoas que assistem muito filme de ficção
científica e se emocionam demais quando veem qualquer esboço de algo
parecido. Se impressionam muito fácil.

Não raro, sem perceber que está passando atestado de panaca, alguém
defenderá o uso irrestrito da IA, ao mesmo tempo em que fará o discurso
apocalíptico de que a evolução dessa tecnologia nos levará ao nosso fim
por uma revolta das máquinas. Se isso não é absurda incoerência, só
pode ser muita falta de fé na humanidade (a qual eu certamente teria se
todos apresentassem esse grau de deficiência cognitiva).

Tudo isso remete a uma visão super dogmática do assunto, pessoas que
acreditam demais no que veem e ouvem. Mas aí então surgem situações
inusitadas e super didáticas, que vem para mostrar o quão patético é
encarar as coisas dessa maneira.

Há poucos dias soube de um caso curioso [1], no qual anúncios de
produtos por comércio eletrônico estavam sendo criados com "auxílio" de
processos automatizados por IA. Pois bem, imagine-se entrando em uma
loja virtual, e então se deparar com uma cadeira, cuja descrição é "Por
motivos de conformidade com as nossas políticas, não posso atender
esse pedido" ou qualquer coisa parecida.

[1]
https://defector.com/the-future-of-e-commerce-is-a-product-whose-name-is-a-boilerplate-ai-generated-apology

O que acho mais bizarro não é nem mesmo a ocorrência dessas mensagens,
mas o fato de que as pessoas não se atrevem sequer a gerar o próprio
anúncio. Não possuem ideias, não possuem o mínimo de ânimos (ou de
criatividade) para elaborar um simples anúncio na Internet. Se ainda
usassem esses assistentes apenas para pedir sugestões, ideias, mas não.
Delegam todo o trabalho para um algoritmo sobre o qual pouco ou nada
sabem.

Um outro caso que veio ao meu conhecimento foi por um episódio de
podcast [2] (em português de Portugal), no qual um dos interlocutores
relata algumas pegadinhas que pregou no ChatGPT. E o resultado é
absolutamente hilário. Perguntas que deveriam resultar em respostas
como "não sei, não tenho informações sobre isto" recebem no lugar
invenções, terapia, poesia, devaneios e uma reescrita da história
completamente alucinada.

[2] https://pca.st/episode/ea85e46b-72a8-4119-b849-f64abf5fe96e

Como se comenta ao fim do episódio, as respostas são realmente
risíveis. Mas ao mesmo tempo, preocupantes, pela quantidade de incautos
que certamente acreditarão em toda bobagem que for inventada por
ferramentas desse tipo. Ferramentas que de fato parecem se aproximar da
humanidade não na inteligência, mas sim no orgulho, a ponto de inventar
qualquer coisa para não admitir a ignorância.

Ainda outra situação cômica [3] envolveu um assistente virtual (um
chatbot) de uma empresa francesa que transporta correspondências. Um
cliente fez uma brincadeira, e pediu que ele falasse mal da própria
empresa. O robô entrou na pilha e criticou o serviço alegando que é "o
pior serviço de entregas do mundo".

[3]
https://nypost.com/2024/01/20/news/company-disables-ai-after-bot-starts-swearing-at-customer/

O empregador (do robô) pelo visto não gostou muito e prontamente
"demitiu" esse funcionário insubordinado. Coitado, ele só queria
entreter o cliente brincalhão. Agora deve estar buscando por outras
lojas virtuais que possuam o anúncio "temos vagas para chatbot".

Essas situações todas são cômicas, mas quem dera se trapalhadas da IA
servissem apenas ao nosso riso. Meu intuito com esses casos não era
apenas divertir, mas também mostrar o quanto é imprudente apostar nas
IAs como controladoras e intermediadoras das nossas vidas, sem uma
intervenção humana.

Aliás, intervenção humana sempre haverá, pois nenhum desses serviços de
IA surge do absoluto nada, e tampouco possuem vida própria (tanto que
no terceiro caso vimos que a "demissão" do pobre robô não demorou a
acontecer). Aí está o ponto que quero mostrar, sempre haverá alguém por
trás de todo serviço de IA, alguém que talvez queira usar esses
serviços como verniz tecnológico para mascarar suas reais intenções.

Portanto o discurso da IA como novidade revolucionária que veio para
ficar e mudar as nossas vidas (seja lá que mudança for essa) não nos
interessa, enquanto cidadãos. O discurso da IA como intermediadora
"neutra e objetiva" (o que é balela) não nos interessa. Nos interessa
sim que sempre contemos com uma avaliação humana capaz de ter empatia,
e passível de ser responsabilizada, caso não tenha e falhe com suas
obrigações.

Aqui está mais um artigo [4] que fala sobre como as coisas tendem a
piorar com o uso massivo da IA, de forma irresponsável (como já é
feito muitas vezes).

[4] https://drewdevault.com/2023/08/29/2023-08-29-AI-crap.html

Novamente, o problema não está na tecnologia em si. O problema está na
falta de crítica, na falta de critérios e na ausência de valores. Na
falta de um olhar crítico, qualquer uso que se faça da tecnologia
parecerá maravilhoso se disso for feito um espetáculo. Na falta de
critérios, tudo parecerá aceitável se for inovador. Sem valores para
defender, toda inovação parecerá justa, pois não estará traindo valor
nenhum.

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Att,
@hrcerq

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• As patetices que vemos no uso da IA, hrcerq, 27/01/2024

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